sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Acidente Aéreo Com o Time da Chapecoense à Bordo


Acidente: Um Avro RJ-85 da LAMIA Bolivia, matrícula CP-2933 que fazia o voo LMI-2933 (fretado), de Santa Cruz (Bolívia) para Medellin (Colômbia) com 72 passageiros e 9 tripulantes desapareceu do radar durante a aproximação para Medellin por volta de 21h56 (hora local). A delegação do time de futebol da Chapecoense estava a bordo, além de diversos jornalistas brasileiros que iriam cobrir a final da copa sul-americana.
Há muitas informações ainda desencontradas sobre o número de sobreviventes. As buscas no local do acidente são feitas por terra em virtude do terreno montanhoso e neblina.
O aeroporto de Medellin divulgou em nota que a aeronave declarou emergência para a torre de controle às 22h00 (horário local), reportando “problemas elétricos”. Observar que a última posição de ADS-B reportada pela aeronave de acordo com o Flight Radar 24 foi às 21h56. Como eu disse acima, há informações desencontradas sempre que ocorre um acidente aéreo, e a linha do tempo correta só será conhecida quando se iniciarem as investigações para descobrir as causas que contribuíram para o acidente.
Declarou emergência
É muito importante entender que “Declarar Emergência” não significa necessariamente que o avião esteja “em risco iminente de queda”. Declarar emergência à torre indica que você, o declarante, quer ter prioridade sobre todos os outros aviões que estiverem na área – e isto pode ser por diversos motivos, desde baixo nível de combustível até um passageiro passando mal a bordo. Se foi reportado um problema elétrico, o RJ185 possui diversos sistemas redundantes e quem acompanha este site já sabe que NENHUM problema único, em QUALQUER sistema de QUALQUER aeronave é capaz de levar a um acidente. É preciso que haja uma conjunção de fatores, e estes nós só conheceremos no relatório final.
É importante frisar também, para os que têm medo de voar e que serão bombardeados com esta notícia durante semanas, que com a Aviação Comercial continua tudo bem. A Lamia é uma empresa aérea de transporte não regular, de fretamento, não se encaixando portanto nas mesmas regras e procedimentos da aviação regular.
“_Lito, você está dizendo então que empresas de fretamento são inseguras”?
NÃO! Eu estou dizendo que as regras, regulamentos e fiscalização sobre as aéreas de voo regular (que 99,9% das pessoas voam) são muito mais restritivas. Como vocês devem se lembrar, no acidente com o jato em que estava o Eduardo Campos, nem “caixa preta” o avião tinha, enquanto que um avião comercial não pode voar nem 3 dias sem que o gravador de dados ou o gravador de voz estejam operando.
Alijamento de combustível
Alguns órgãos locais na Colômbia divulgaram informações que o piloto “teria” dispensado combustível para tentar um pouso forçado, e esta informação obviamente foi amplificada. Nada mais longe da verdade!
Uma aeronave só dispensa combustível em uma condição: quando o peso atual da aeronave for MAIOR que o peso máximo de pouso e SE as condições de emergência permitirem. É comum os aviões decolarem com um peso muito maior do que o peso máximo que podem pousar – isto acontece todos os dias em todos os aeroportos do mundo. Caso haja um problema que requeira o retorno ao aeroporto logo após a decolagem, então o piloto pode “alijar” uma parte do combustível na atmosfera para que o avião fique leve até se encaixar no peso de pouso. Acontece que dispensar combustível leva tempo, dependendo do avião até 30 minutos, então se o retorno tiver que ser imediato, o piloto não vai perder tempo alijando, vai efetuar o pouso com o avião ACIMA do peso máximo. Pousar acima do peso não trás qualquer problema para a segurança do avião, apenas trás trabalho para a manutenção que terá que fazer inspeções rigorosas na estrutura. Entenderam? (Neste post aqui eu explico o porquê disso tudo)

Se entenderam, é possível observar o absurdo na notícia abaixo – pois se o avião acidentado estava já no final de sua viagem, estava com o mínimo de combustível e bem leve, portanto desnecessário qualquer alijamento. E o pior, como o peso máximo de decolagem e o peso máximo de pouso do Avro RJ85 são próximos, ele nem possui sistema de alijamento de combustível!.

Por que o avião deu tanta volta antes de chegar no aeroporto?



O mapa do Flight Radar 24 com os últimos momentos do voo mostra que ele fez várias curvas. Por que o piloto não foi direto pro aeroporto?
Ora senhores, porque aviões seguem procedimentos publicados para se aproximar ou afastar de um aeroporto. Vejam esta carta de aproximação para o Aeroporto de Medellin:

Percebam que faz parte do procedimento de aproximação “bloquear” o VOR de Rio Negro e iniciar uma descida em “órbita” para interceptar o ILS (sistema de pouso por instrumentos). Isto significa que até os momentos finais, a tripulação seguia os procedimentos publicados, então não pense que aquelas curvas são por que o piloto “estava perdido” ou com problemas.
Correção: As órbitas estão mais afastadas do que as da carta, pois foram solicitadas pelo controle de tráfego aéreo em virtude de espera.

Os dados sobre o AVRO RJ-85 mostram que ele não teria autonomia para voar de Santa Cruz até Medellin

Os dados publicados sobre o modelo acidentado na internet mostram que o alcance do modelo RJ-85 seria de 1600 Milhas Náuticas e a distância entre Viru Viru e Medellin é de 1606 milhas, conforme o GCMAP: Isto poderia indicar que o avião não tinha combustível suficiente?
Não temos essa resposta ainda. Alguns RJ-85 possuem tanques auxiliares como opcionais para aumentar a autonomia da aeronave e como não temos acesso aos documentos oficiais da aeronave, neste momento não é possível falar sobre isso.
No entanto percebam: Quando um piloto recebe o plano de voo, nele consta a quantidade de combustível que haverá nos tanques na hora do pouso. Para o caso acima, teríamos uma quantidade negativa de combustível, concordam? Então está faltando uma peça no quebra-cabeças que no momento não podemos montar, então especular não é a solução.
Os exemplos acima apenas mostram o quão complexo é investigar um acidente aeronáutico e que portanto TUDO que se escrever neste momento sobre POSSÍVEIS CAUSAS são simplesmente especulação ou conclusões apressadas. Eu entendo a comoção e o respeito que se deve ter (com os familiares) pelo fato de ter acontecido em um voo fretado por um time de futebol que ia para uma final de campeonato.
O time de investigadores já foi despachado para o local e a tarefa deles não é encontrar o culpado e sim identificar as causas que levaram isto a acontecer para que nunca mais aconteça um outro acidente igual.
Nenhuma vida perdida em um acidente aéreo é em vão. Nós desfrutamos hoje de toda esta segurança por causa dos acidentes que ocorreram no passado.

Update 1: Por que ainda é cedo para condenar?

Aparentemente, todos já sabem o que ocasionou o acidente, antes mesmo das caixas pretas terem sido escutadas não é mesmo?. O Avro não tinha autonomia suficiente, um outro avião declarou emergência, e enquanto esperava a vez de pousar o combustível acabou. Como eu disse no vídeo ontem a noite, a investigação de um acidente aéreo não é só isso, por isso temos que ser muito cuidadosos ao emitir opiniões.
Recebi do Gabriel Toledano da Aerocast o documento abaixo, que é um programa de modificações feito nos RJs para aumentar sua autonomia.


Até o momento não sabemos se o RJ-85 acidentado possuía ou não os tanques pannier descritos acima, mas se ele tivesse (e existe a probabilidade por ter sido fabricado no final da linha de produção), então o alcance máximo seria extendido conforme gráfico abaixo. A linha vermelha é um cálculo estimado para o voo acidentado, considerando-se 77 pessoas com média de 80kg cada. Vejam que com os tanques instalados, seria possível fazer a rota prevista de Santa Cruz para Medellin.

Gráfico de performance – Gabriel Toledano

_Ah Lito, então se ele tinha isso por que acabou o combustível?
Eu NÃO estou dizendo que ele possuía panniers ou não. O que eu estou dizendo é que não se pode tirar conclusões sem termos dados essenciais para a investigação. E se ele tinha e houve falha humana no abastecimento? E se houve cálculo errado de peso e balanceamento? E se algo externo ao avião aumentou o seu arrasto? E se o re-dispatch foi calculado errado? São muitas variáveis que só a investigação pode nos mostrar, então antes de crucificar o piloto, tenhamos serenidade e um pouco de calma, porque a verdade irá aparecer.
Eis a razão de eu não emitir opinião sobre acidentes ANTES que haja ao menos um relatório preliminar.

Update 2: Gravação entre a aeronave e o Controle

Plano de Voo

Foi liberado pelo órgão regulador da Colômbia a gravação da conversa entre a aeronave da Lamia e o controle de tráfego aéreo. É possível observar que os protocolos para a situação de emergência em que se encontrava o RJ-85 não foram seguidos pela tripulação. O porquê a investigação dirá.
Sobre o plano de voo, há diversos questionamentos sobre como é possível um piloto voar no limite de sua autonomia sendo que as regras para voos são tão claras quanto às contingências. De acordo com documentos obtidos pelo Jornal Hoje da Rede Globo, o órgão que recebeu o plano de voo em Santa cruz questionou o despachante da LAMIA sobre a autonomia do avião e disse que não poderia aprovar. A conversação entre o órgão e o despachante prossegue (e a investigação focará nisso também) e ao final o plano é aceito sem mudanças.
Como já falei tanto aqui (e nesse vídeo), um acidente aeronáutico só ocorre quando diversos elos em uma cadeia de proteção se interligam, nunca é culpa de um só elemento.
Plano de voo do LAMIA LI2933

Planeio

Algumas pessoas questionaram no Twitter sobre a capacidade do avião planar. O avião planou após a perda dos motores, exatamente como foi projetado. Acontece que o terreno em volta do local do acidente é composto por montanhas altíssimas, portanto, mesmo planando invariavelmente haveria o choque. Se fosse uma planície, o avião teria chegado até a pista, pois tinha altitude suficiente para a distância de 30km que estava do aeroporto.

Vetores

Em dois momentos é possível ouvir a tripulação pedindo “vetores” para o aeroporto ao controle de tráfego aéreo. Vetores são direções para chegar em algum lugar. Como os motores já haviam parado, não havia força elétrica no avião (este modelo não possui RAT) e o painel com os dados de navegação estavam apagados e os pilotos perderam a noção de onde estavam em relação à pista. A bateria do avião entrou em emergência e alimentou apenas os sistemas essenciais, incluindo o rádio do comandante e instrumentos standby de atitude, altitude e velocidade. Para saber para onde teriam que ir, solicitaram “vetores” ao controle, ou seja “me digam para qual lado eu vou”.
A controladora informa que não recebe os dados do avião no radar (especulo que a falta da força elétrica também desligou o transponder da aeronave – não tenho os esquemas elétricos para saber se o transponder estaria no barramento elétrico da bateria) e provavelmente informa o rumo a seguir baseado no radar primário (o radar primário funciona sem dados de transponder, porém é menos preciso). Como a bússola do avião independe de força elétrica, é provável que a tripulação nos momentos finais estivesse baseando sua proa através dela.
Texto: Lito Aviões e Música


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